De saída da Segurança de SP, Derrite teve gestão marcada por polêmicas e flagrantes de abusos policiais
Guilherme Derrite deixa nesta segunda-feira (1º) o cargo de secretário de segurança pública de São Paulo. Ele deve participar de um evento da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) antes de sair definitivamente do cargo. No lugar dele, o delegado Nico Gonçalves assumirá a pasta.
Sob a gestão do deputado federal, as forças de segurança enfrentaram uma série de polêmicas envolvendo denúncias de uso abusivo da força, além de uma alta nos índices de letalidade policial. Os crimes violentos e os roubos, no entanto, caíram durante o período.
Em um dos casos ruidosos, em novembro de 2024, Marco Aurélio Acosta, de 22 anos, morreu após ser baleado durante uma abordagem na Vila Mariana, Zona Sul da capital paulista. Marco Aurélio era estudante de medicina da faculdade Anhembi Morumbi.
Ele morreu depois de ter dado um tapa no retrovisor de uma viatura policial e ser perseguido pelos agentes, até ser encurralado quando tentava entrar em um motel. No BO, os policiais relataram que o estudante “estava bastante alterado, agressivo, e resistiu à abordagem policial, entrando em vias de fato com a equipe policial e, em determinado momento, tentou subtrair a arma de fogo” de um deles.
Vídeo de uma câmera de segurança do estabelecimento mostrou que o primeiro policial chega ao local com uma arma em punho e tenta agarrar o jovem pelo braço, que luta para se desvencilhar. O segundo policial, ao chegar, desfere um chute no estudante, que consegue segurar o pé do agente de segurança e o faz cair. É nesse momento que o primeiro policial dispara um tiro, que atinge a região da barriga do jovem.
Outro caso de repercussão que ocorreu em novembro do ano passado foi a morte do menino Ryan da Silva Andrade Santos, de 4 anos. A criança foi morta no dia 5 de novembro do ano passado durante uma ação policial no Morro do São Bento, em Santos, no litoral de São Paulo. Além dele, morreu também o adolescente Gregory Ribeiro Vasconcelos, de 17 anos. Um terceiro estava presente na cena: Luiz Henrique Rocha Alexandrino Marques, que foi baleado, mas sobreviveu. Na época, a PM alegou que os agentes dispararam em legítima defesa, durante troca de tiros com os jovens.
A Defensoria Pública de São Paulo, responsável pela defesa do adolescente, solicitou à investigação uma série de laudos complementares a fim de tentar provar que Vasconcelos e Marques não trocaram tiros com a polícia, conforme alegaram os agentes. O tiro que matou Ryan partiu da PM, de acordo com o laudo balístico. O disparo saiu de uma espingarda Benelli M3, calibre 12. Na noite da morte, segundo o Boletim de Ocorrência, a arma estava em posse do PM Clovis Damasceno de Carvalho Junior.
No anos 2023 e 2024 ocorreram também as operações Escudo e Verão, ambas na Baixada Santista. No final de julho de 2023 um policial da Rota, a tropa de elite da PM, foi morto no litoral paulista. Nos 40 dias seguintes, durante a operação Escudo, 958 pessoas foram presas e 28 morreram. A Operação Verão, ocorrida entre 18 de dezembro de 2023 e 1º de abril de 2024, deixou ao menos 56 mortos.
Relatos de abusos e de ações desproporcionais da polícia pipocaram nas redes sociais e no noticiário ao longo dos meses de operação no litoral. Policiais foram flagrados destruindo câmeras de segurança em uma favela no Guarujá. Já no mês passado, uma testemunha da morte de Matheus Souza Santos, de 21 anos, relatou que o jovem estava desarmado e que havia gritado momentos antes de ser morto que “não trabalha na boca (tráfico)”. Policiais militares efetuaram também 188 tiros de fuzil contra três suspeitos no Morro Nova Cintra, em Santos. Moradores da região registraram em vídeos os disparos que assustaram a vizinhança.
Casos de abuso na capital paulista também pressionaram Derrite. Em dezembro de 2024, filmagens mostraram o momento que o policial militar Luan Felipe Alves Pereira atirou um homem rendido de uma ponte, na Zona Sul de São Paulo.
Ao fim de 2024, o governador Tarcísio chegou a dizer que “errou no discurso” e falou em um “direcionamento errado” para a polícia. Ele afirmou que tinha uma visão “completamente errada” sobre as câmaras corporais para a PM.
— A gente comete erros também. Tem hora que a gente quer parar para pensar e fazer uma reflexão. Às vezes a gente erra no discurso, a gente dá o direcionamento errado e isso é fácil de ser percebido hoje — disse o governador. — A política de câmeras é uma política que eu particularmente me arrependo muito da postura reativa que tive lá atrás. Hoje eu percebo que ela ajuda o agente da segurança pública, eu percebo que ela é um fator de contenção e nós precisamos, sim, de contenção. E de equilíbrio, porque o grande desafio é como garantir a segurança jurídica daquele agente que está lá na ponta — disse o governador, em um evento da faculdade IDP, em São Paulo, em dezembro do ano passado.
Neste ano, outro caso de grande repercussão caiu no colo de Derrite. A execução do ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes, em setembro. Morto a tiros de fuzil, Fontes foi jurado de morte pelo PCC por sua atuação contra lideranças de facção.
O ex-delegado-geral foi executado depois de sair do trabalho na Prefeitura de Praia Grande. Ele foi perseguido enquanto dirigia, perdeu o controle do veículo, bateu em um ônibus e capotou. Na sequência, homens desceram de outro carro e atiram contra o automóvel da vítima. O ataque ocorreu na avenida Doutor Roberto de Almeida Vinhas, na Vila Caiçara, por volta das 18h20, segundo a Polícia Militar.
Outro dos casos mais emblemáticos no período em que Derrite esteve à frente da pasta, entre 2023 e novembro deste ano, foi a morte de Vinicius Gritzbach, o delator do Primeiro Comando da Capital (PCC) e de policiais civis. Ele foi executado em 8 de novembro de 2024 no Aeroporto de Guarulhos, a plena luz do dia.
Gritzbach lavava dinheiro ilícito do tráfico de drogas com transações imobiliárias e criptomoedas, estava ameaçado de morte e já havia sido vítima de outros atentados. Foi assassinado a tiros de fuzil por policiais militares, a mando do crime organizado, quando saía do desembarque do Aeroporto Internacional de São Paulo em 8 de novembro do ano passado. A saraivada de tiros atingiu outras três vítimas, uma delas fatal.
Alta letalidade
Indicadores de criminalidade
Editoria de arte
O secretário enfrentou uma série de polêmicas e uma disparada da letalidade policial desde que assumiu a Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo, no início de 2023. Em 2022, último ano do mandato de João Doria e Rodrigo Garcia, foram registradas 421 mortes em decorrência de intervenção policial no estado. O número aumentou para 504 no primeiro ano de governo Tarcísio e 813 no ano passado, influenciado por operações como Escudo e Verão, no litoral paulista.
Derrite e Tarcísio defendem a administração sob o argumento de que indicadores criminais estão em queda e de que a “produtividade policial” aumentou. Fazem referência à quantidade de homicídios, latrocínios e lesão corporal seguida de morte, crimes violentos que tiveram queda de 11,4% entre 2022 e 2024. Outro dado divulgado com frequência é o número de prisões efetuadas, que passou de 146 mil para 166 mil no período.
Entre os crimes violentos sem vítimas fatais, as tentativas de homicídio aumentaram 2,1%, as lesões corporais dolosas, 15,9%, e os estupros, 10,1%. Houve queda nos crimes contra o patrimônio, com menos 20,8% de roubos e 1,4% de furtos. Estelionatos tiveram alta de 31,1%, com a profusão de golpes digitais, diz o Anuário de Segurança Pública.