Acabou a ansiedade! Ouvimos os sambas do Carnaval 2026 e contamos o que pode virar hit
Quando sai o disco dos sambas-enredo?
A pergunta, em si, já soa problemática. O que é disco mesmo? É aquele negócio redondo que os antigos fenícios (um dos povos da antiguidade favoritos de Joãosinho Trinta) usavam para ouvir música?
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Bom, o site da Liga Independente das Escolas de Samba responde: “O lançamento do álbum completo será no dia 31 de outubro”. Em pleno Halloween, portanto, as plataformas de streaming terão os 12 sambas-enredo do Grupo Especial para o carnaval de 2026 (dias 15, 16 e 17 de fevereiro, não custa lembrar). Ao longo do mês, as faixas vão pingando na internet (é só buscar Rio Carnaval). Paraíso do Tuiuti (o primeiro a escolher, por não ter feito concurso, mas apostado mais uma vez num samba encomendado) e Unidos de Vila Isabel já estão lá com suas versões oficiais.
Mas não estamos atrás de versões oficiais: o YouTube está cheio de gravações mais primárias dos sambas, que é a forma como o ansioso povo do batuque costuma conhecer os hinos — isso sem contar os fanáticos que ouvem todos os candidatos de todas as escolas e passam anos lamentando por que determinado samba não foi escolhido.
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Então, partiu YouTube, na ordem do desfile: a estreante Acadêmicos de Niterói (que existiu por décadas com o nome Acadêmicos do Sossego e outro CNPJ) faz soar a sirene com um enredo-panfleto: “Do Alto do Mulungu surge a esperança: Lula, o operário do Brasil”. Antes de mais nada, parabéns pela coragem de assumir um lado num país tão polarizado. Sem medo de implicância — talvez por acreditar que seu destino em 2027 é a Série Ouro, como acontece com praticamente todo mundo que sobe —, a alvianil vem com um samba raçudo, melódico, com um sabor de antigamente. Quase um samba-lençol, de autoria, entre outros, de Arlindinho, Teresa Cristina e Paulo César Feital. Na versão extraoficial, o puxador é o astro Tinga, da Vila Isabel.
Seguindo a ordem, vem a Imperatriz Leopoldinense, a primeira a estabelecer um caráter pop nos enredos de 2026, com “Camaleônico”, homenagem a Ney Matogrosso. “Sou meio homem, meio bicho/ O silêncio e o grito/ Pássaro, mulher”, diz a letra, assinada por 12 autores. Doze? Pois é, o samba é resultado de uma fusão, o que se nota em uma estrutura algo claudicante — além do velho recurso dos trechos de letras dos sucessos do homenageado. O povo da Leopoldina vai cantar, mas o samba não mantém o nível dos hinos recentes da escola.
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Juliana Ferrer/Rafael Fifito
Terreno delicado
Entramos em terreno delicado com “O mistério do Príncipe do Bará — A oração do negrinho e a ressurreição de sua coroa sob o céu aberto do Rio Grande”, da Portela. Primeiro, por se tratar de um samba execrado pelos próprios portelenses, que tinham outras preferências no concurso; segundo, pela morte súbita, no fim de setembro, de Gilsinho, titular do microfone da Águia por mais de uma década, a cara da escola. Zé Paulo Sierra, ex-Viradouro e Mocidade, é o novo titular, e seu trabalho se verá na versão oficial. Mas e o samba? Reclamações à parte, conta a história do príncipe africano com garbo e melodia. Pode ser sucesso.
O primeiro dia de desfiles se encerra com a Estação Primeira de Mangueira, na voz de seu intérprete oficial, Dowglas Diniz. A verde e rosa vai ao Amapá homenagear Mestre Sacaca, o guardião da Amazônia negra, em mais um enredo com cara de antigamente. Numa gravação provisória de ótima qualidade, cantor e bateria defendem bem um raro samba afro mangueirense.
A ala de baianas da Mangueira
Fabiano Rocha/Agência O Globo
O segundo dia de desfiles começa com a Mocidade Independente de Padre Miguel, mais uma representante do carnaval pop, com “Rita Lee, a padroeira da liberdade”. A gravação é comandada por Wander Pires, cria da escola, hoje defendendo a Viradouro. Guitarras dão um tom roqueiro à obra, que tem bons momentos, mas também recorre aos trechos de canções da Santa Rita de Sampa, como “um certo dia resolvi mudar” (de “Agora só falta você”), “Vem bailar comigo” (de “Baila comigo”) e até um “ê ê ê” de “Erva venenosa” — na verdade, uma versão de outra versão: a banda carioca Herva Doce verteu “Poison ivy”, do grupo The Coasters, também gravada pelos Rolling Stones, e Rita a pegou emprestada anos depois. Serve para o povo independente matar a saudade de Wander e seu topete.
As religiões de matriz africana — cuja presença em massa rendeu má vontade em 2025 — não podem faltar, e elas chegam mais uma vez pelas mãos da campeã Beija-Flor: “Isso aqui vai virar macumba!”, diz o bom samba nilopolitano (mais uma fusão). A prova de fogo está nos microfones: com a aposentadoria de Neguinho da Beija-Flor depois de 50 anos, a responsabilidade de defender “Bembé”, um retrato do Bembé do Mercado, conhecido como o maior candomblé de rua do mundo, em Salvador, fica com Jéssica Martin e Nino do Milênio. Que os orixás abençoem uma dupla com uma missão tão inglória.
Jéssica Martin e Nino, novos intérpretes da Beija-Flor de Nilópolis
Marcelo Theobald / Agência O Globo
Inteligência artificial
A Viradouro, próxima na fila, promete emocionar com a homenagem a Mestre Ciça, uma das figuras mais importantes do carnaval, mestre de bateria criado no Estácio e há mais de duas décadas, com interrupções, na alvirrubra de Niterói. A versão do YouTube começa assustando com a voz de Dominguinhos do Estácio, morto em 2021, recriada por inteligência artificial. Menções ao velho Estácio e um samba retinho, sem grandes malabarismos melódicos, prometem um desfile animado, mesmo sem grande inspiração.
Em uma linha semelhante à de “Um defeito de cor”, maravilhoso desfile da Portela em 2024, a Unidos da Tijuca vem com “Carolina Maria de Jesus”, sobre a consagrada escritora — em mais uma versão defendida pelo onipresente Wander Pires. Traçando semelhanças entre a vida da autora de “Quarto de despejo” e a comunidade do Borel, o samba emociona.
Já com a faixa oficial disponível, o Tuiuti (autoproclamado Quilombo do Samba) mais uma vez grava compositores consagrados: Claudio Russo, Gustavo Clarão e Luiz Antonio Simas, no vozeirão de Pixulé, e mais uma vez vai à África, em “Ifá lonan lukumi”, que trata de uma vertente cubana das religiões de origem africana. Um bom samba, que transpira atabaques d’além-mar.
É claro que os melhores sambas do ano serão eleitos após o lançamento oficial, e na virada do ano, e durante o carnaval... e até o fim dos tempos. Porém, no pré-carnaval atual, “Macumbembê, samborembá — Sonhei que um sambista sonhou a África”, em que a Unidos de Vila Isabel canta Heitor dos Prazeres, é de longe o mais bem falado. Vai durar até a folia? Só Martinho sabe. No YouTube, Wander Pires (sempre ele!) entoa o samba melódico, que reúne a arte do homenageado à negritude do Morro dos Macacos e do Bairro de Noel. Uma pérola. Spoiler: Vila e Tuiuti já têm belos clipes oficiais no ar, mas isso não é do nosso interesse, por enquanto.
Outra representante do carnaval pop, a Grande Rio vai a Pernambuco em “A nação do mangue”, uma excelente desculpa para falar da cultura do estado nordestino, pelo viés de Chico Science e do movimento mangue beat. “A vida, parecida com as águas/ Não é doce como o rio/ Nem salgada como o mar”, belo trecho — mesmo remetendo ao enredo paraense de 2025. O encontro de Gramacho com o Capibaribe promete.
Desfile do Salgueiro
Domingos Peixoto / Agência O Globo
Encerrando a coleção (pela ordem dos desfiles), Salgueiro promete a mais emocionante das homenagens de 2026: “Olelê, eis a flor dos amanhãs/ A décima estrela brilha em Rosa Magalhães” já traz lágrimas à primeira ouvida, lembrando a carnavalesca morta em 2024 e sua vida na Avenida (com o começo no lendário Salgueiro dos anos 1970) e fora dela. Não tem o hype da Vila Isabel — talvez por ser uma fusão, com 21 assinaturas —, mas deveria.
Ao longo de outubro, as versões oficiais dos sambas de 2026 vão pipocando nas plataformas. Até lá, tudo pode mudar.