Gilberto Silva: 'Brasil tem um produto que, no mundo, ainda não é visto como de primeira prateleira'
Membro de grupo de estudos da Fifa, campeão mundial em 2002 avalia participação brasileira na Copa de Clubes e defende debate para desenvolvimento de liga forte no país Ex-volante da seleção brasileira e campeão do mundo em 2002, Gilberto Silva é um dos membros do grupo de estudos técnicos montado pela Fifa e acompanhou de perto a primeira edição da Copa do Mundo de Clubes nos Estados Unidos. Ao GLOBO, ele falou sobre estilos de jogo, desafios estruturais do futebol sul-americano e o impacto da nova competição na valorização do futebol nacional.
O Mundial mostrou times de vários estilos. O que chamou sua atenção no novo formato?
Vimos diferentes estilos. Cada time com seu estilo e buscando encontrar a melhor forma de vencer. Não existe uma fórmula única. Há times que têm estilo de ficar com a bola e pressionar, há times que são mais defensivos, marcam na metade do campo e exploram mais o contra-ataque.
Como o Brasil se mostrou para o mundo?
O ideal é que tivéssemos uma liga forte. Imagina se a quantidade de brasileiros que estão aqui, jogando em outras ligas, estivesse jogando na nossa liga...
Os clubes da América do Sul perdem competitividade por conta disso?
Fica essa sensação. A gente perde por quê? Temos uma moeda fraca. E os jogadores têm aquela coisa... O futebol europeu criou um produto muito forte, uma marca muito forte. Por isso é bom ter essa visão coletiva. Porque nós, como coletivo, vamos crescendo com o produto. Temos que valorizar muito o futebol brasileiro. Temos muita coisa boa. Só que, muitas vezes, pela necessidade, precisamos vender. E, às vezes, é o sonho dos moleques também, que querem jogar na Europa. Mas imagina se fosse o inverso. Se tivéssemos um produto tão forte, uma moeda forte... Será que os jogadores não iam querer vir para o Brasil? Temos um produto que, no mundo, ainda não é visto como de primeira prateleira — pelo menos na visão das pessoas.
Mas os jogadores daqui continuam protagonistas no mundo todo, não é?
Que existem bons jogadores, existem. E o europeu, o que faz? Com uma moeda forte, uma liga forte, um produto forte, com poder aquisitivo melhor, ele tem condições de selecionar os jogadores do mundo todo.
E, nesse cenário, o Brasil segue como o grande, talvez maior, celeiro de talentos...
O Brasil produz por osmose, pela quantidade de jogadores que tem. Agora, imagina se o futebol brasileiro fosse mais bem organizado. O que eu sinto falta no Brasil é de falarmos mais sobre como desenvolver melhor o futebol, como desenvolver melhor os jogadores, como trabalhar melhor os jogadores no processo de desenvolvimento do futebol cognitivo. Fica só o resultado, não temos tempo para treinar... No Brasil, só se joga.
O calendário pesa muito?
O calendário não ajuda. O Flamengo disputou 77 jogos nos últimos 12 meses. Dos quatro clubes brasileiros, o que jogou menos fez 70 jogos. Enquanto os europeus jogam, em média, 55 jogos. A diferença é bem grande. Qual é o impacto disso no fim? Os times não têm tempo para treinar. Passei isso para eles aqui. Nós temos uma questão geográfica complexa. Os clubes viajam longas distâncias. Mas não é voo fretado. A logística pesa. Eu joguei no Grêmio. Ia jogar no Nordeste... É uma viagem continental. Sai às 14h e chega às 20h. Isso, querendo ou não, é um impacto muito grande.
Você acha que, apesar disso, o Mundial representa uma boa troca de experiências com os europeus?
Claro que é. É importante. É uma forma de integrar, conhecer o que está sendo feito nos lugares. Saber que, por mais que a Europa seja uma potência, não é o único lugar que tem bom futebol.
Os clubes são a realidade do dia a dia do futebol mundial. Deixa esse encontro ainda mais importante, não é?
Eu, particularmente, adorei. Estamos vendo clubes e jogadores que nem conhecíamos. Vai gerar oportunidades. Por exemplo, se eu fosse dirigente de clube, estaria olhando potenciais jogadores nos clubes menores. Já fiz a lista de alguns. Se eu fosse dirigente, estaria atento a essas oportunidades.
Pode ser uma forma de encontrar talentos fora do eixo tradicional?
Às vezes. O mercado interno europeu é muito caro. Mas você vem aqui em uma competição como essa e visualiza um cara que é uma oportunidade para o clube que vai fazer a aquisição. É uma oportunidade também para o clube que vai vender. Às vezes, o mercado dele não consegue proporcionar um valor tão interessante. E, numa competição como essa, mostra o clube como um todo. Abre as portas do clube para o mundo.
E os técnicos brasileiros? Você vê evolução no trabalho deles comparado com o padrão europeu?
Totalmente. Todas as quatro equipes, cada uma com seu estilo, mostraram excelentes trabalhos. Até dentro desses números que temos analisado aqui, uma coisa é interessante: os times europeus têm uma média de idade bem mais baixa comparada com os times brasileiros. E, às vezes, dependendo do estilo de jogo, pode até ter um impacto. E o legal é ver as pessoas aqui. A conversa aqui dentro tem sido muito positiva, com respeito ao trabalho que os brasileiros têm feito.