‘Química’ citada por Trump também ajudou Lula a se aproximar de Bush
Os tempos eram outros: George W. Bush não é Donald Trump, e Lula, hoje presidente em terceiro mandato, ainda lutava para passar ao mundo a mensagem de que o sindicalista radicalizado das décadas anteriores havia ficado para trás. Recém-eleito, o petista conseguiu ser recebido na Casa Branca em dezembro de 2002, antes mesmo de assumir o mandato no Planalto, após dias de negociações pilotadas tanto por aliados quanto por integrantes do governo Fernando Henrique.
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Narrada no livro “18 dias: Quando Lula e FHC se uniram para conquistar o apoio de Bush”, do professor da FGV Matias Spektor, a história daquelas semanas de tentativa de aproximação entre um esquerdista latino-americano e um republicano do Texas guarda uma semelhança fundamental com o cenário de hoje, em que o brasileiro conseguiu diálogo com Trump: a “química”, elemento basilar do modo Lula de fazer diplomacia, marcado por doses de personalismo.
“Prevista para durar meia hora, a conversa estendeu-se por 45 minutos. O motivo não foi o fato de Lula ser prolixo, mas a química inesperada entre os novos colegas”, escreve Spektor no livro de 2014.
Logo de cara, Bush deixou o clima favorável ao dizer que, em Washington, havia quem dissesse que homens como eles não poderiam fazer negócios juntos, mas que aquele encontro serviria para provar o contrário. Lula, então, contou que tinha superado muitos preconceitos, e o bem-humorado Bush, sorridente, o interrompeu para dizer que era “o campeão de preconceitos”.
'Guerra contra a fome'
De gravata vermelha e broche do PT preso ao terno, Lula levou consigo uma série de frases prontas que havia treinado nos dias prévios com assessores. Quando Bush começou a conduzir o papo rumo às tensões no Iraque, o brasileiro se esquivou ao afirmar que a guerra dele era outra — “a guerra contra a fome”. Assim, extraiu do americano apoio público ao programa Fome Zero, um dos cartões de visita do mandato que se avizinhava.
Houve momentos de frieza nas ocasiões em que a conversa passou pelo papel das instituições financeiras ou pela Área de Livre Comércio das Américas (Alca), mas logo Lula voltou a adotar o tom emotivo que, segundo Spektor, Bush adorou, já que também se valia disso em conversas com líderes internacionais. O recém eleito presidente do Brasil sentenciou, por exemplo, que o futuro do país era brilhante — e que “nós só queremos construir nosso destino”.
Ao sair do encontro, Bush comentou com um assessor: “Realmente gosto desse cara. Não tem enganação: ele é aquilo que aparenta”. A conversa no Salão Oval, escreve Spektor, não abordou nenhum assunto prático. Serviu, no entanto, para “divulgar a mensagem de que a direita americana podia fazer negócios com um líder da esquerda latino-americana”.