Apostas, influenciadores e tráfico internacional de drogas: tudo que se sabe sobre a operação Narco Bet
A Polícia Federal deflagrou, nesta terça-feira (14), a Operação Narco Bet, voltada contra o crime organizado financeiro no Brasil. Onze pessoas foram presas. O foco da investigação é um sofisticado esquema de lavagem de dinheiro vinculado ao tráfico internacional de drogas, com desdobramentos em quatro estados brasileiros e ramificações na Alemanha. A operação, que teve apoio da Polícia Criminal Federal alemã, é um desdobramento da Operação Narco Vela, iniciada em abril, após a apreensão de quatro toneladas de cocaína em um veleiro brasileiro pelas autoridades norte-americanas, na costa da África. A apreensão motivou uma investigação que desvendou uma rede criminosa internacional.
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Segundo a Polícia Federal, o esquema de lavagem de capitais era operado a partir de movimentações financeiras com criptoativos, remessas internacionais e a utilização de empresas de fachada ligadas ao setor de apostas eletrônicas, as chamadas bets. O núcleo central da operação seria coordenado pelo empresário Rodrigo de Paula Morgado, apontado como "operador logístico-financeiro" da organização. De acordo com o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Morgado comandava um “banco particular” para os demais envolvidos, centralizando transações milionárias por meio de contas pessoais, empresas em seu nome e em nome de terceiros.
As apurações revelaram que mais de R$ 313 milhões circularam sob controle de Morgado entre 2019 e 2024. Ele também teria realizado transações em criptomoedas na casa dos R$ 100 milhões, além de movimentações bancárias incompatíveis com suas declarações fiscais.
Influenciador digital Buzeira foi preso em operação da PF
Reprodução/Instagram
Entre os principais artifícios usados para dissimular os valores, estavam notas fiscais frias, contratos de "sócio oculto", com o objetivo de blindar o patrimônio, criação de holdings e compra de empresas para obtenção de licenças para apostas online, como no caso das plataformas BRX.BET e RICO.BET, de propriedade do influenciador Buzeira.
Foram presas 11 pessoas na operação, entre elas Bruno Alexssander Souza Silva, o Buzeira; Tacio Costa, conhecido como T10; Ingrid Ohara, influenciadora e esposa de T10; Rodrigo Morgado, empresário e operador financeiro do grupo.
Operação Narco Bet: PF faz operação para desarticular esquema de lavagem de dinheiro ligado ao tráfico internacional de drogas
Divulgação/PF
As investigações chegaram até os influenciadores após análise de materiais apreendidos na Operação Narco Vela, em que Morgado já era apontado como o contador e articulador financeiro da rede. Em conversas interceptadas, ele trata diretamente de operações milionárias com Buzeira, como a compra de um imóvel de luxo com pagamento direto da conta de Morgado, sem passar pelas contas do influenciador; transferências de R$ 400 mil para uma lancha e R$ 210 mil para itens de luxo; emissão de nota fiscal de R$ 50 milhões pela empresa Buzeira Digital e uso de terceiros, como o irmão do influenciador, Lucas Fernando Silva (o “Mingau”), para receber valores suspeitos. Foram R$ 590 mil em apenas dois meses.
As empresas Evipes, NGX Holding, Infinity Serviços Administrativos e a própria Buzeira Digital foram classificadas como núcleos de dissimulação de capitais ilícitos.
Apreensão de cocaína em veleiro Lobo IV deu origem à Operação Narco Vela
Reprodução de vídeo
Apreensões: mansões, armas e cifras milionárias
Na operação, a Polícia Federal apreendeu bens e valores que superam R$ 630 milhões, com o objetivo de descapitalizar a organização criminosa e garantir a reparação de danos. Foram apreendidos veículos de luxo, como carros importados, aeronaves, jet-skis, relógios e dinheiro em espécie; imóveis de alto padrão, incluindo uma mansão avaliada em R$ 18 milhões, onde Buzeira foi preso, em Igaratá (SP), cidade que virou reduto de influenciadores e funkeiros e é mencionada em diversas investigações sobre lavagem de dinheiro; e um arsenal de armas escondidas em um bunker na residência de Buzeira, com fuzis, pistolas, mira holográfica, radiocomunicadores e uma farda do Comando de Operações Táticas da PF. Segundo os investigadores, as armas passarão por perícia para verificar legalidade e origem.
Rodrigo Morgado foi preso na Operação Narco Bet
Reprodução/Redes Sociais
Elo com o PCC
A operação Narco Bet tem ligação direta com a Operação Narco Vela, que nasceu após a apreensão de cocaína no veleiro Lobo VI, em 2023. As investigações identificaram que a embarcação foi adquirida com participação direta de Rodrigo Morgado. Os dados do celular do empresário indicam que ele atuou na contabilidade de empresas envolvidas na compra da embarcação.
A Narco Vela revelou a participação de membros do Primeiro Comando da Capital (PCC), como Levi Adriani Felício (conhecido como “Mais Velho”) e seu parente Rodrigo Felício (“Tico”), presos anteriormente por envolvimento com o tráfico marítimo de drogas.
Outras apreensões de cocaína também ocorreram em operações paralelas, com envolvimento da Marinha dos EUA, da França e da Guarda Civil espanhola, indicando que a rede de tráfico operava em águas internacionais com logística avançada, uso de satélites e embarcações de alto padrão.
A defesa dos influenciadores nega qualquer envolvimento com o crime organizado. Os advogados de Buzeira e T10 alegam que as transações entre eles e Morgado eram estritamente profissionais, relacionadas a serviços contábeis.
— A decisão que decreta a prisão preventiva foi feita com base em transações com o contador, algo normal, quem não transaciona com o seu contador. O que não foi explicado é qual seria o vínculo dessas transações normais entre contador e influenciador com o que se apura na Narco Vela — argumentou Felipe Cassimiro, advogado de Tacio Costa.
— Bruno cumpre rigorosamente suas obrigações fiscais. Ele não está envolvido em atividades ilegais e não participa de quaisquer atividades criminosas — complementou Jonas Reis, advogado do influenciador Buzeira. Segundo o advogado, uma transação de R$ 19 milhões teria sido citada pela PF para justificar a prisão desta terça-feira.
Apesar das alegações, as autoridades destacam que o volume das transações, a estrutura societária montada e os valores não declarados revelam fortes indícios de lavagem de dinheiro e associação criminosa, com possível atuação internacional.
A operação tem novas fases previstas, inclusive no exterior. A cooperação internacional com autoridades alemãs, já identificaram um dos alvos foragido no país europeu. Os investigados poderão ser responsabilizados pelos crimes de lavagem de dinheiro, associação criminosa e envolvimento com o tráfico internacional de drogas. A Polícia Federal avalia ainda o envolvimento de outros influenciadores, empresas do setor de apostas e instituições financeiras que possam ter facilitado o esquema.