Com maior seca em seis décadas, Teerã corre o risco de ficar sem água e governo não descarta racionamento
Diante da maior seca em seis décadas no Irã, a capital e maior cidade do país, Teerã, pode ficar sem água potável em questão de semanas, e o presidente, Masoud Pezeshkian, retomou a ideia de mudar a população — de 16 milhões de pessoas — para outra região caso a chuva não volte a cair em quantidade adequada. Segundo estimativas, 10% de todos os reservatórios do Irã estão vazios, uma crise que tem a ver com as mudanças climáticas e com escolhas administrativas questionáveis.
Crise nuclear: Trump diz estar 'aberto' a considerar levantamento de sanções contra o Irã
Teerã nega: EUA acusam Irã de conspirar para matar embaixadora de Israel no México
Durante o fim de semana, as autoridades locais anunciaram uma redução na pressão da água distribuída à região metropolitana “para reduzir o impacto dos vazamentos e para permitir que os reservatórios se recuperem”. Contudo, a possibilidade de racionamento cresce a cada dia — a imprensa iraniana relata que algumas áreas de Teerã já enfrentam cortes à noite há pelo menos dez dias. Órgãos públicos, afirmou Mohsen Ardakani, chefe da agência de saneamento de Teerã, receberam a ordem de reduzir em até 25% seu consumo, e espera que a populaçãosiga a orientação.
— Todas as exceções que podem ocorrer em um clima que afete o abastecimento de água ocorreram em Teerã este ano. No entanto, tentamos manter a estabilidade da rede utilizando recursos subterrâneos e poços satélites — declarou Ardakani, citado pela agência Mehr. — O apoio do povo desempenhou um papel fundamental na superação da situação crítica. Se esse apoio continuar, não precisaremos de racionamento.
'Chuva de sangue': Fenômeno natural deixa praia e mar vermelhos no Irã; veja vídeo
Não há chuva prevista para os próximos 15 dias, e os reservatórios que servem Teerã estão com menos de 10% da capacidade. Em declarações ao serviço persa da rede BBC, o gerente do reservatório de Karaj, Mohammed-Ali Moallem, afirmou que choveu 92% menos esse ano do que em 2024, e que a maior parte da água no local é do chamado “volume morto”, que fica abaixo dos canos de captação — o termo ficou conhecido no Brasil durante uma das crises de abastecimento no estado de São Paulo, em 2014.
— Nunca vi essa represa tão vazia desde que nasci — afirmou um idoso que mora na região à TV estatal iraniana.
Fonte seca no Parque Mellat, em Teerã
ATTA KENARE / AFP
O risco de desabastecimento não é exclusivo de Teerã. Em Mashhad, centro religioso e segunda maior cidade do Irã, alguns reservatórios operam com menos de 3% da capacidade, cenário similar ao de Esfahã e Tabriz, outros centros urbanos de grande porte, onde boa parte dos rios que abastecem as represas estão completamente secos.
— A situação atual demonstra que a gestão do uso da água deixou de ser uma mera recomendação e tornou-se uma necessidade — disse Hossein Esmaeilian, chefe da empresa de saneamento de Mashhad, onde um racionamento de grande porte ainda não foi descartado.
Crise no Caribe: Sob pressão dos EUA, Maduro recorre a Rússia, China e Irã para fortalecer defesa da Venezuela
O Irã sofreu alguns dos impactos mais duros das mudanças climátcas no Golfo Pérsico. Desde os anos 1960, a temperatura média subiu 2ºC, segundo dados da ONU — em julho e agosto, os termômetros marcaram 50ºC em meio a ondas de calor, e o governo decretou feriados para economizar água e energia. O volume de chuvas caiu 20% nos últimos 20 anos, e modelos projetam um país 2,6ºC mais quente e 35% menos chuvoso nas próximas décadas.
— A crise hídrica é mais grave do que se discute hoje, e se não tomarmos decisões urgentes hoje, enfrentaremos uma situação no futuro que não terá solução — disse Pezeshkian em julho. — Não podemos continuar assim.
Vista de Teerã
ATTA KENARE / AFP
Uma das medidas emergenciais foi uma técnica chamada semeadura de nuvens, que consiste em jogar substâncias químicas em nuvens já existentes para forçar a precipitação. Contudo, especialistas dizem que a umidade nas nuvens hoje sobre os céus iranianos torna a prática ineficaz. Outros, por sua vez, apelam para o misticismo.
— Antigamente, as pessoas iam ao deserto rezar pela chuva — disse Mehdi Chamran, presidente da Câmara Municipal de Teerã, ao New York Times. — Junto com todas as outras medidas, não devemos negligenciar isso também.
Mas essa não é uma crise apenas climática. Décadas de decisões erradas, como o desvio do curso de rios, a profusão de represas voltadas prioritariamente à agricultura e de poços artesianos — que provocou um anormal afundamento do solo em Teerã, de quase 30 cm ao ano —, contribuíram para o cenário atual.
Sob sanções da ONU: Irã fecha acordo de R$ 130 bilhões com a Rússia para construção de novos reatores nucleares
Um dos símbolos da crise ambiental no país é o Lago Urmia, antes o maior lago salgado do Oriente Médio, mas que hoje está praticamente seco devido às mudanças no clima e da construção de barragens que reduziram o volume dos rios que o alimentam. Segundo especialistas, se o lago secar em definitivo, milhares de pessoas que vivem em sua bacia serão impactadas, e o sal que antes estava na águia do Urmia poderá ser levado pelo vento e acabar com plantações próximas.
A crise climática também é fator de risco político Em 2021, uma seca de grandes proporções na região do Khuzestão levou a uma onda de protestos que tinha como principal demanda a liberação da água de represas usadas para abastecer a produção agrícola. Três pessoas morreram, mas na ocasião o líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, deu razão aos manifestantes e ordenou que as autoridades atendessem às suas demandas.
Torneira pública no Parque Mellat, em Teerã
ATTA KENARE / AFP
Agora, Pezeshkian parece querer se antecipar a problemas caso as torneiras sequem em Teerã. No mês passado, propôs que a capital iraniana fosse movida para o sul, perto da costa do Golfo Pérsico, dizendo que o país “não tinha escolha”. A ideia não é nova, e foi levantada por antecessores do presidente iraniano, mas poucos consideram que ela tem chances de sair do papel.
— A ideia se baseia em uma premissa simplista e falha de que, simplesmente transferindo a capital de uma localização geográfica para outra, grandes populações se mudarão para a nova área — disse Ali Beitollahi, diretor do Centro de Pesquisa de Estradas, Habitação e Desenvolvimento Urbano, ao Financial Times. — Talvez 10% da população seja obrigada a se mudar devido às suas profissões, mas muitos outros que aspiram a migrar para Teerã os substituirão.
Na semana passada, ele retornou ao tema.
— Se não chover, teremos que começar a restringir o abastecimento de água em Teerã no próximo mês. Se a seca continuar, ficaremos sem água e seremos forçados a evacuar a cidade — afirmou.