Tudo pelo consumo: China dá às crianças rara folga escolar só para estimular seus pais a gastarem mais
Até este ano, apenas algumas cidades na China permitiam que escolas tivessem um recesso no outono. Mas, nos últimos meses, pelo menos outras 27 se juntaram à lista, com mais possivelmente a caminho.
Da província oriental de Zhejiang a Sichuan, no sudoeste, autoridades estão criando dias de folga na esperança de que as famílias aproveitem a chance para gastar algum dinheiro em viagens — ou pelo menos enviem seus filhos para excursões organizadas pelas escolas.
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Ao liberar tempo fora das aulas, as autoridades acionam uma nova alavanca em sua tentativa de fazer as famílias chinesas gastarem mais, e a um custo baixo para orçamentos locais já apertados. E, se a cidade de Foshan, no sul da China, for um indicativo, o país talvez não precise esperar muito pelo retorno.
Depois que Foshan introduziu um recesso escolar de três dias em novembro, ligações para a Guangzhou Comfort International Travel começaram a inundar a empresa de turismo com famílias repentinamente em busca de alguma atividade para ocupar o tempo.
Os negócios ficaram tão aquecidos que a equipe teve de fazer hora extra e os intervalos foram reduzidos pela metade, esticando os recursos da filial de Foshan ao ponto de precisar pedir reforços à matriz da agência em Guangzhou.
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AFP
— Ficamos de fato um pouco aflitos quando tivemos que lidar com a política de recesso de outono pela primeira vez — disse Zheng Zihua, que trabalha na agência. — Nosso movimento foi até maior do que no novembro anterior à pandemia.
'Melhorar ambiente de consumo'
O número de viajantes de Foshan aumentou mais de 50% durante o recesso de outono em relação ao ano anterior, segundo seus dados, dos quais mais de três quartos eram famílias.
Loja da Louis Vuitton em Xangai, na China
Raul Ariano/Bloomberg
A mudança mais recente seguiu repetidos apelos de Pequim para que localidades adotem férias escolares de primavera e outono para “melhorar o ambiente de consumo”. No atual sistema educacional chinês, alunos do ensino fundamental, médio e médio superior só têm duas férias ao ano: no verão e no inverno.
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Se a política de Foshan se espalhar nacionalmente, ela poderia adicionar quase US$ 50 bilhões ao consumo anual — o equivalente a 0,7% das vendas totais do varejo no ano passado — segundo cálculos da Bloomberg, baseados em padrões de gastos observados durante feriados anteriores de duração semelhante.
Nem todos os pais embarcam
Nem todos os pais concordam, porém, já que adultos na China têm apenas alguns dias de folga por ano e muitos temem esgotar todas as suas opções de licença remunerada.
Mesmo assim, o esforço já mostrou resultados iniciais. Segundo os dados mais recentes da Trip.com fornecidos à Bloomberg, reservas de hotéis por residentes de Zhejiang aumentaram 68% em relação ao ano anterior durante o recesso de outono, enquanto as reservas de voos subiram 22%. Em Sichuan, reservas de hotéis avançaram 92% em relação ao ano passado.
Alívio financeiro local
Permitir que alunos tenham um recesso também tem a vantagem adicional de poupar custos para governos locais, que frequentemente precisam arcar com iniciativas vindas de Pequim.
— Isto é algo que governos locais podem fazer para promover o consumo, sem precisar fornecer financiamento direto — disse Larry Hu, chefe de economia da China no Macquarie Group. — Ainda assim, estímulos pelo lado da demanda serão essenciais para expandir o consumo, como aumentar pagamentos de seguridade social, oferecer isenções fiscais e estabilizar o mercado imobiliário.
Serviços no foco
Depois que a China tornou o estímulo ao gasto das famílias uma prioridade maior este ano, o foco recente dos esforços oficiais está mais em promover o consumo de serviços como turismo e entretenimento — mirando uma parte da economia que guarda potencial de liberar demanda adicional.
As vendas no varejo de serviços já aumentaram 5,3% nos primeiros 10 meses do ano, tornando-se um ponto positivo em um mercado consumidor marcado por deflação e confiança fraca. Em contraste, o crescimento das vendas de bens desacelerou por cinco meses consecutivos — caindo para 2,8% em outubro — uma das sequências mais longas em anos.
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O potencial inexplorado está lá porque os gastos com serviços na China representam apenas 21% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo estimativas do Australia & New Zealand Banking Group, em comparação com mais de 40% nos Estados Unidos.
O Partido Comunista deve provavelmente fazer do setor de serviços “um foco-chave de política” em seu próximo plano quinquenal, escreveu Zhang Jingjing, analista macro-chefe da China Merchants Securities, em uma nota na semana passada. “A questão principal no consumo de serviços está na oferta inadequada de opções de consumo, uma área em que o governo pode agir”, disse Zhang.
É aí que a China ainda está atrasada. Até agora, neste ano, autoridades ampliaram subsídios a produtos de consumo, lançaram subsídios nacionais à infância e expandiram o acesso sem visto a mais países em um esforço para atrair mais turistas estrangeiros.
Críticos questionam se as autoridades continuam adotando uma abordagem fragmentada ao ajustar calendários escolares e deixar as famílias por conta própria.
Efeito limitado pela jornada dos pais
Xavier Lei, professor de ensino médio em Chengdu, Sichuan, não deu lição de casa à sua turma durante um feriado em meados de novembro, mas ainda assim se preocupou com o fato de que os alunos tinham poucas opções de lazer.
— Os pais não têm dias de folga, então não conseguem viajar com eles — disse Lei.
Não é de se admirar que alguns pais estejam reclamando da organização, com tão poucos feriados disponíveis. Na China, trabalhadores empregados por até 10 anos tipicamente só têm cinco dias de férias anuais remuneradas — metade do que recebem americanos com experiência profissional semelhante.
Outra opção para pais sem dias de folga é enviar seus filhos aos chamados “study tours”, excursões organizadas por escolas ou agências de viagem. Pode ser uma escolha cara para famílias que precisam desembolsar milhares de yuans por passeios geralmente com poucos dias de duração.
Em Foshan, pais tornaram públicas suas críticas, levando o departamento de educação a esclarecer que as escolas fornecerão serviços gratuitos de cuidado infantil para aqueles que não podem viajar com os filhos. Também lançou um questionário online na semana passada, consultando pais sobre o momento e a duração das férias de primavera e outono, bem como sua opinião sobre a política.
O impacto no consumo decorrente das mudanças em curso nas escolas pode ser “modesto, uma vez considerado o possível efeito negativo sobre outros gastos com feriados”, disse Louis Kuijs, economista-chefe para a Ásia-Pacífico da S&P Global Ratings.
Ainda assim, como experimento para impulsionar uma sociedade de consumo, a iniciativa simboliza a busca por novas soluções.
— Junto com outros objetivos, como reduzir a pressão acadêmica e introduzir experiências fora da sala de aula, trata-se de algo bem diferente em termos de mentalidade e implicações do que o impulso para estimular modernização industrial e inovação — disse Kuijs.
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