Na estrada com nova turnê, Marisa Monte fala sobre inteligência artificial e química com orquestra
Em 1996, quando Marisa Monte gravou sua versão de “Cérebro eletrônico” (1969), de Gilberto Gil, no álbum “Barulhinho bom”, a inteligência artificial ainda não fazia parte do nosso vocabulário cotidiano. O Google só seria fundado dois anos depois, o Facebook e o Instagram ainda nem existiam e os celulares serviam apenas para fazer ligações.
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Hoje, quase três décadas depois, quando a IA domina algoritmos, conversas e imaginários, Marisa inclui “Cérebro eletrônico” pela primeira vez em uma turnê, “Phonica”, que chega esta sexta-feira (31) ao Rio de Janeiro, para três noites na Brava Arena Jockey. A música que nos anos 1960 soava como uma ironia futurista e diz, em sua letra, que “só eu posso chorar quando estou triste”, soa, agora, quase como um protesto.
— Gilberto Gil é um gênio visionário que escreveu essa canção antecipando tudo que estamos vivendo hoje. Ela é uma defesa das humanidades e da inteligência como característica dos organismos vivos, algo que se distingue profundamente da mera capacidade de processamento das máquinas — observa a carioca, que diz acompanhar com atenção as discussões ao redor do mundo sobre os impactos das novas tecnologias no bem-estar social. — A inteligência humana é um mistério cósmico resultado da experiência dos sentimentos. E há ainda a criatividade, esse milagre que transcende a compreensão, os cálculos e os algoritmos. Ela continua sendo capaz de gerar identidades comuns e conectar as pessoas.
“Phonica” estreou em Belo Horizonte no dia 18 e, depois do Rio, parte para São Paulo (8 e 9/11), Curitiba (15/11), Brasília (29/11) e Porto Alegre (6/12). No palco, além da sua banda, Marisa é acompanhada por uma orquestra de 55 músicos e pelo maestro André Bachur.
Marisa Monte em "Phonica", show com orquestra
Leo Aversa
— A química com a orquestra foi fruto de um processo longo e cuidadoso. Eu trabalhei lado a lado com o maestro, com quem discuti cada detalhe para que os arranjos mantivessem a essência das músicas, mas ganhassem novas cores e dimensões — diz Marisa, antes de destacar que a união aconteceu de forma “natural e orgânica”. — A banda trouxe a pulsação, a orquestra trouxe o sopro e o coração coletivo, e eu me senti no centro desse encontro, como uma espécie de mediadora entre mundos, o popular e o erudito, o íntimo e o grandioso.
Além da música de Gil, Marisa também canta “Vilarejo”, “Beija eu” e mais sucessos da carreira, além da recém-lançada “Sua onda” — música inédita em parceria com o produtor Gustavo Santaolalla e a Budapest Scoring Orchestra que, como ela diz, “por enquanto é só um single”, sem pretensões a álbum. E como vêm as inspirações para a compositora Marisa? Ela responde, ou tenta responder:
— Essa pergunta não tem uma resposta exata, porque a fagulha criativa é surpreendente e tem vida própria. Geralmente, ela está nas coisas simples, num som, numa imagem, numa lembrança, mas não é algo que se busque, é algo que nos encontra. A nós, compositores, cabe apenas reconhecer esse encontro e estar sempre a serviço dele.
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Conhecida por álbuns ao vivo antológicos, como o próprio “MM” (1989), de estreia da carreira, Marisa revela que ainda não tem nenhum plano de gravar a turnê “Phonica” para transformá-la em álbum.
De cima dos palcos, como sempre fez, a portelense segue cantando de peito aberto para o público — que responde à altura, cantando junto com ela.
— Sempre tive uma plateia transgeracional, do vovô ao netinho, e é maravilhoso ver as famílias unidas, às vezes três gerações curtindo o show juntos — comenta. — Isso é uma prova da capacidade de comunicação da arte e da música como linguagem universal.
E, sendo a música esse denominador comum do mundo, ela pode mudá-lo?
Marisa Monte & Orquestra Ao Vivo
Divulgação/Leo Aversa
— A arte certamente tem um poder de transformação social — responde a cantora. — Muitas vezes, ela funciona como um catalisador de emoções que estão adormecidas, no subterrâneo dos sentimentos coletivos, unindo pessoas e dando voz aos povos.
Constantemente elencada por crítica e público entre “as maiores cantoras” do país, Marisa afirma que o Brasil é um país de grandes vozes que a ensinaram e continuam sempre a inspirando:
— Sou profundamente grata a todos que vieram antes de mim e a todos que me querem bem. Recebo esse reconhecimento com alegria e humildade, mas sigo com o mesmo espírito de quem está sempre querendo aprender, em devoção aos deuses da música e honrando meu destino.