O 'porquinho' na era do Pix: como ensinar os filhos a poupar?
O porquinho de porcelana, tão forte na lembrança da infância de muita gente, tem perdido espaço na educação financeira de crianças e adolescentes nos dias atuais. Com a chegada do Pix e a digitalização do sistema bancário, quebrar o cofrinho para fazer uma compra não é mais hábito dos pequenos. Agora, cartões de crédito, débito e aplicativos ganham destaque, em um fenômeno conhecido como bancarização infantil. Segundo o Banco Central, a quantidade de adolescentes e jovens de 15 a 24 anos com conta bancária mais que dobrou entre 2005 e 2024, chegando a 28 milhões. Esse número representa um aumento de 115% desde o início da série histórica. Mas, muitos pais têm optado por iniciar essa jornada ainda mais cedo. A nutricionista Juliana Passarella criou uma conta bancária para a filha este ano, quando a pequena completou sete anos. Ela conta que uma das vantagens de utilizar o aplicativo é poder monitorar, em tempo real, os gastos da menina, o que auxilia na orientação no dia a dia. 'Eu deposito R$ 50 por mês e explico para ela o quanto mais ou menos ela pode gastar por semana. Tem vezes que ela gasta muito na primeira semana e fica pouquinho para o final do mês. Mas, basicamente, o controle eu faço através do aplicativo no meu celular e, junto com ela, mostro o quanto ela gastou", relata. O diretor de Cidadania Financeira da Federação Brasileira dos Bancos, Amaury Oliva, afirma que a Febraban tem observado o crescimento significativo da bancarização de crianças e adolescentes nos últimos anos. Ele diz que o fenômeno é positivo, mas exige cuidados. "Optar por contas digitais supervisionadas, com limites adequados à idade. Preferir os cartões pré-pagos ou de débito, evitando aquele crédito irrestrito. Definir datas certas para os depósitos, como uma mesada, uma semanada, e não realizar depósitos extras para que a criança aprenda a administrar o valor disponível. Também vale utilizar recursos como aplicativos de controle financeiro para acompanhar o gasto junto com os filhos", indica. A importância do dinheiro físico 💵 Apesar das facilidades digitais, o contato físico com o dinheiro ainda é importante. A psicóloga e especialista em educação financeira infantil, Priscila Rossi, pontua que introduzir as finanças aos mais jovens por meio do dinheiro pode tornar o aprendizado mais proveitoso, devido ao contato visual. 'É sempre recomendado que a gente comece pelo menos com dinheiro físico para criança, porque quanto mais nova ela é, mais a experiência no concreto ela precisa. E o dinheiro físico traz essa experiência concreta de poder ver o dinheiro, pegar e entender como ele funciona. Com relação ao cofrinho, a gente utiliza esse mesmo conceito. A gente começa com o cofrinho físico e depois, se tiver opção, se tiver um aplicativo de banco, a gente pode transferir isso para o cofrinho digital. Eu recomendo, inclusive, que o cofrinho seja transparente, para que a criança consiga ver o dinheiro crescendo ali dentro", indica. A fotógrafa Stefany Fernanda, de 29 anos, conta que criou um senso de responsabilidade financeira com as mesadas que recebeu dos pais até os 14 anos. Agora, ela passa os mesmos ensinamentos. Criança compra presente com conta bancária infantil Freepik Stefany também criou uma conta digital para filha de seis anos, mas não abriu mão da tradição da própria infância. Mãe e filha possuem dois cofrinhos físicos para guardarem as economias. Um dos cofrinhos é para armazenar as moedas que a criança guarda. E o outro, que é abastecido pelas duas, tem o objetivo de juntar R$ 10 mil. "Aqui em casa nós temos dois cofres. Um que é para ela ficar guardando moedinha - cinco centavos, dois centavos, quatro centavos -; e em outro, ele junta R$ 10 mil, mas é a partir de R$ 5. De início, esse cofre de R$ 10 mil eu comprei para mim, que eu falava que era para dar entrada no meu carro. Só que aí ela gostou tanto da ideia de colocar o dinheiro que ela começou a falar que ia juntar o dinheiro para comprar a nossa casa. Aí, eu até mudei a ideia. Eu falei assim: 'pronto, então os R$ 10 mil não vai ser pra comprar o meu carro e sim para dar entrada no nosso apartamento'", conta. Educação financeira começa na infância O educador financeiro e palestrante Thiago Godoy indica que o papel dos pais é primordial para que as crianças não só se interessem, mas também aprendam sobre dinheiro e finanças. "Os pais devem abordar o assunto de finanças em casa da maneira mais natural possível, de forma frequente, ou seja, diária, constante e de preferência sem tabus. É você realmente conversar no dia a dia, envolver a criança, explicar decisões simples (...), envolver os filhos nas escolhas que estão adequadas à idade, evitar frases negativas, evitar falar de dinheiro de uma maneira pessimista, porque dinheiro, na verdade, não é número apenas, são as escolhas, são as prioridades, são os valores", diz. Criança coloca dinheiro no cofrinho Freepik Para o economista e especialista em investimentos Tiago Velloso, a integração ao sistema bancário pode criar um senso de responsabilidade maior nas crianças. "Eu acho muito saudável a gente entregar mais responsabilidade para as crianças. Já cria para a criança essa sensação de que se eu me extrapolar, se eu gastar mais do que eu tenho de mesada, eu não vou ter dinheiro. Então, ele cria esse senso de maturidade que é muito importante desde cedo", avalia. Se quebrar o porquinho pode ser algo mais raro em época de pix e cartões, a boa e velha educação financeira desde criança atravessa gerações. Até porque é menos pior 'falir' com a mesada dos pais do que passar perrengue já como adulto.