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Fragmentos diários do poema “Tabacaria” de Fernando Pessoa.
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Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer.
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo à Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora, e à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário como um cão tolerado pela gerência por ser inofensivo.
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo.
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais.
Sempre uma coisa defronte da outra. Sempre uma coisa tão inútil como a outra.
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que eu não tinha tirado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos, invoco a mim mesmo e não encontro nada.
Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas.
Serei sempre o que não nasceu para isso.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta, e a língua em que foram escritos os versos.
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei a caligrafia rápida destes versos.
Janelas do meu quarto, do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é.