hilda hilst bot
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trechos das obras de hilda diariamente @scvrfvvce.bsky.social
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Porisso é que prossigo atenta aos teus caprichos como aquela que ao amante se desvenda aos poucos, cautelosa e lenta.
Eu não estou morrendo: eu estou morto. E agora vejo-a novamente. Vejo de cima, dos lados, de frente, vejo de um jeito que nunca vi. Jeito de ver de um morto. É estranho, vivo, se deveria ver melhor do que morto.
Ele não era simples não, nada disso, era homem muito complicado, muito torcido como eu mesmo, e quando eu digo que ele se desentranhava quero dizer que ele ficava se descobrindo, que ele punha pra fora os pensamentos de dentro, que ele pensamenteava alto, entendes?
A primeira vez que li Franz Kafka eu era uma menina. (A família chorava.) Quero sentar-me e ler mas o amigo me diz: o mundo não comporta tanta gente infeliz.
Não sabes onde termina a aurora de tua presença.
E inútil sonhar que desfazendo o fio da tua teia há de ser livre o andar.
O pai tem cheiro bom, a mãe também. Eles usam perfume. Por quê? Não é bom a gente cheirar o cheiro da gente? Não sei. Por que a gente se veste? É feio ficar pelado? Eles dizem que é. Por quê? Olha a lagarta, ela tá pelada, coitada.
(...) procuro um naco de espelho e olho para Hillé sessenta, Hillé e emoções desmedidas, fogo e sepultura, e falas falas, desperdícios.
Dentro de mim a promessa de amá-lo ainda que fosse na velha China, nos mares, dentro de algum avião. E quando ele me chamava eu toda vagotonia ia e vinha e pressentia o homem que me fugia de passaporte na mão.
Foi Julho sim. E nunca mais esqueço. O ouro em mim, a palavra irisada na minha boca, a urgência de me dizer em amor tatuada de memória e confidência. Setembro em enorme silêncio distancia meu rosto. Te pergunto: de Julho em mim ainda te lembras?
Porque ai senhor a vida é pouca: um bater de asa, um só caminho da minha à vossa casa… E depois, nada.
O peito era maior que o céu aberto.
Para pensar o Outro, eu deliro ou versejo. Pensá-lo é gozo.
Se me encontrares terei um jeito de flor e um não sei quê de brisa nos meus ares.
Para criar um espaço de ausências no meu presente.
Porque a meu lado tudo se faz tarde: amor, gozo, ventura.
Teci os fios de seda, estendi as mãos, é amor o que sai de mim, toma o meu amor, planta, divide com aqueles da tua casa, fala de mim, que eu tenho muito e posso dar, que eu não sou de fora, sou a perna de um, o braço do outro, o suor, a língua.
Sobre o meu corpo, criando magia e ponta, para morrer e fazer matar.
(...) perguntei lá dentro: o que é uma farda? O que é uma bota? E veio a resposta: nu o homem é mais Pátria do que amedalhado numa farda, nu ele é mais força, muito mais do que parece existir no fulgor devasso de uma bota.
Estou a ponto de morrer, por favor, me leve a dançar.
Com meus olhos de cão paro diante do mar (...) Olho o mar mas não lhe sei o nome. Fico parado em pé, torto, e o que sinto também não tem nome. Sinto meu corpo de cão. Não sei o mundo nem o mar a minha frente. Deito-me porque o meu corpo de cão ordena.
Como se as águas estanques de uma tarde jamais sonhassem a aventura do mar.
Quero sentar-me e ler mas o amigo me diz: o mundo não comporta tanta gente infeliz.
Se todas as tuas noites fossem minhas eu te daria, Dionísio, a cada dia uma pequena caixa de palavras, coisa que me foi dada, sigilosa, e com a dádiva nas mãos tu poderias compor incendiado a tua canção e fazer de mim mesma, melodia.