Criador do Orkut adianta detalhes sobre nova rede social: 'A era leve da internet não desapareceu'
Orkut Büyükkökten é um sujeito otimista. Criador da antiga rede social batizada com o próprio nome — e que arrebanhou, entre 2004 e 2014, mais de 40 milhões de usuários no Brasil —, o engenheiro turco não cansa de afundar as mãos nas bases movediças da internet, há mais de uma década, para tentar plantar e colher “alegria genuína” ali, como diz. A atividade inspira dificuldade. O programador não tem dúvidas, é verdade, de que grandíssima parte do vasto continente digital está contaminada por “raiva, ódio e negatividade”. Mas o diagnóstico não é de terra arrasada, como ele insiste, sem esconder a empolgação.
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— Houve um tempo em que tínhamos esperanças diferentes para o que a internet se tornaria. Ainda cultivo expectativas de que possamos recuperar isso. A era leve da internet não desapareceu — enfatiza Orkut, atração principal do Voices 2025, evento sobre tecnologia e inovação que ocupará o Museu de Arte do Rio, na capital fluminense, nesta quarta, 10 de dezembro, com palestras, mesas redondas e workshops gratuitos encabeçados por grandes nomes de diferentes áreas, entre os quais a jornalista e apresentadora Fátima Bernardes, a ministra Luciana Santos, titular da pasta de Ciência, Tecnologia e Inovação, o designer de moda e artista visual Oskar Metsavaht e Leonora Bardini, diretora executiva da TV Globo (para participar é preciso realizar inscrição prévia no site).
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Na entrevista a seguir, o desenvolvedor de software de 50 anos — um autodeclarado “adorador de caipirinhas” e quase sempre vestido com estampas brilhantes ou coloridas — adianta detalhes de um novo projeto que pretende retomar as raízes do Orkut (“A motivação não é a nostalgia, mas a cura”, diz) e defende a retomada ambientes on-line mais saudáveis (“Não é uma questão de possibilidade, mas de intenção”, indica).
A ideia de “comunidade” estava na espinha dorsal da plataforma Orkut. O que você sente falta daquele modelo no ecossistema atual das redes sociais?
Quando idealizei o Orkut, acreditava que a internet seria um lugar para a conexão humana. Naquela época, comunidade não era só um “recurso: era o coração de tudo o que estávamos fazendo. Redes sociais como o Orkut foram inicialmente construídas para criar pontes humanas genuínas e conectar pessoas em torno de paixões, criando um sentimento de pertencimento. Com o tempo, os objetivos mudaram e as redes sociais esqueceram por que existem: para aproximar as pessoas, em primeiro lugar.
O que causou tal mudança?
Quando o lucro virou a estrela-guia das redes, os produtos começaram a ser desenhados para o scroll viciante e infinito. As plataformas se reajustaram, então, para o engajamento, e não para ajudar as pessoas a se conectarem. As empresas viram, assim, que poderiam lucrar com anúncios “direcionados” baseados em todos os dados que coletavam dos usuários. E a dura verdade é que nada captura mais atenção do que raiva, ódio e negatividade. Como resultado, essas redes passaram a otimizar ódio e negatividade como modelo de negócios, simplesmente porque isso era mais lucrativo.
Em meio a este cenário, ainda é possível criar redes saudáveis?
Não acredito que a era “leve” da internet tenha desaparecido. A luz nunca acaba. Ela só espera que a escolhamos novamente. Sim, podemos trazer de volta espaços saudáveis e centrados no humano. Não é uma questão de possibilidade, mas de intenção.
O que falta, afinal?
A tecnologia evoluiu de maneiras extraordinárias. Mas, sozinha, ela não é a resposta para a conexão humana. As tecnologias devem nos servir, e não nos dividir. Em algum momento, esquecemos que elas são criadas por nós e que deveriam, de fato, melhorar nossas vidas. Podemos reimaginar o mundo digital e remodelar nossas comunidades on-line para refletir o melhor de quem somos, com compaixão, amizade e gentileza, em vez de engajamento, cliques e lucro.
A pergunta que todos ainda fazem: o Orkut pode voltar a existir?
Recebo essa pergunta o tempo todo: “O Orkut vai voltar?” Adoraria construir algo como o Orkut, mas só farei isso se pudermos trazer de volta seu coração e sua alma.
Você já mencionou que vem idealizando, há tempos, uma nova plataforma social para enfrentar o que chama de “epidemia da solidão”. O que pode compartilhar sobre isso?
O novo projeto começa com uma verdade simples: todos precisamos nos conectar. Isso está inscrito no DNA humano — é o que une sociedades e cria a base de nossas amizades, comunidades e identidades pessoais. Estamos projetando um produto com um conjunto diferente de princípios de design: amizade, gentileza, compaixão... A motivação para o meu projeto não é a nostalgia, mas a cura. Cada linha de código é escrita em prol de conexão, comunidade e felicidade. Estamos usando o poder da tecnologia para tentar construir um ambiente on-line melhor, saudável e mais feliz.
Afinal, a inteligência artificial vai aprofundar a crise de confiança na internet ou pode ajudar a reconstruir um ambiente mais seguro?
A inteligência artificial mudou e remodelou a internet de formas que nunca imaginaríamos em tão pouco tempo. Hoje, a voz humana é abafada por um oceano de ruídos gerados por máquinas. Em outubro, o número de textos escritos por inteligência artificial ultrapassou a quantidade de artigos escritos por humanos.
Este é mais um sintoma de que fracassamos de vez na internet?
A inteligência artificial realmente prejudicou e degradou a internet e as redes sociais de maneiras que não poderíamos imaginar. Mais de 50% de todo o conteúdo do Facebook hoje parece “sopa de IA”. Você não pode confiar em nada — não na web, não no Instagram, não no TikTok... A inteligência artificial generativa tornou ilimitada a criação de conteúdo. O resultado é uma crise de confiança em escala total. Não podemos confiar no que vemos, no que lemos ou mesmo em quem achamos que estamos conversando. Exemplo: no Instagram, você pode achar que está falando com uma pessoa real, mas por trás pode ser um chatbot. Todas as grandes plataformas sociais estão usando inteligência artificial não para ajudar a sociedade, mas para aumentar a receita. Tenho preocupações muito sérias, mas não acho que a inteligência artificial esteja condenada. Como qualquer tecnologia, seu impacto depende, em última análise, de seus criadores. Este é um recurso que pode, sim, tornar a internet mais segura, mais humana e mais acolhedora. Mas apenas se escolhermos usá-la dessa forma.
Com a proliferação de desinformação e discursos extremistas, qual deve ser o papel das plataformas — e não apenas dos usuários — na moderação de conteúdo?
As plataformas têm uma responsabilidade muito além da moderação de conteúdo. Elas são arquitetas dos nossos mundos digitais — seus algoritmos espalham ódio, negatividade, extremismo e desinformação. Podemos projetar ferramentas para filtrar conteúdo manipulador, falso e prejudicial. Mas tecnologia sozinha nunca será suficiente. Precisamos ser guiados por uma humanidade comum. As plataformas devem escolher defender a verdade. Elas deveriam trabalhar para evitar que danos ocorram dentro delas. Cada rede social é como um jardim: se não cuidarmos com atenção, ervas daninhas de ódio, desinformação e extremismo vão crescer.
O que falta no debate sobre o futuro da internet?
O que falta está no coração das perguntas sobre quem somos e quem queremos ser como coletivo. Temos coragem de reimaginar a internet para sustentar interações significativas e conexão humana genuína?
Qual é sua principal previsão para o futuro das interações on-line na próxima década?
O futuro vai recompensar tecnologias que priorizam humanos em vez de máquinas. Se escolhermos compaixão, gentileza, empatia, alegria e amor, podemos construir algo novo, algo que pareça mais como um lar. Meu principal conselho a jovens empreendedores é simples: comece com o propósito certo. Se sua intenção é criar uma experiência melhor para as pessoas, o produto deve refletir isso. Priorize bem-estar em vez de métricas, conexão no lugar de cliques, e intimidade em detrimento de engajamento performático. Desse jeito, o lado comercial também irá bem.